Violação do Direito à Privacidade e o Panoptismo Digital:

alteração de padrões comportamentais e monetização de dados no ambiente virtual

Autores

  • Meire Aparecida Furbino Marques PUC Minas
  • Camila Ramos Celestino Silva PUC Minas

Palavras-chave:

Direitos Fundamentais; Panoptismo; Capitalismo; Monetização de dados.

Resumo

Introdução: O desenvolvimento tecnológico decorrente da Revolução 4.0 trouxe consigo significativas mudanças na vida cotidiana, com imensa facilitação de tarefas. Trouxe também riscos iminentes quanto à segurança em âmbito virtual, com consequências materiais para o mundo real. Ao mesmo tempo em que diminuiu, ou mesmo subtraiu a distância, permitindo contato virtual a partir de aparelhos de telefonia móvel (smartphones), possibilitou a exposição de dados dos usuários sem que houvesse controle ou permissão consciente por parte deles trazendo novos desafios e riscos para os direitos fundamentais dos indivíduos.

 

Desenvolvimento: As redes sociais transformaram-se em palco no qual transitam felicidades construídas e notícias fabricadas, nem sempre correspondente à realidade. Entretanto, em outro nível, tem-se uma vigilância constante, ou “Capitalismo de Vigilância”, denunciado por Soshana Zuboff, como “uma nova ordem econômica que reivindica a experiência humana como matéria-prima gratuita para práticas comerciais dissimuladas de extração, previsão e vendas.” Essa vigilância funciona, portanto, como uma nova espécie de panoptismo, isto é, um panoptismo digital que, sem ser notado, invade a privacidade dos usuários, captura os rastros por eles deixados, faz a “mineração” e os monetiza em prol do capital de alguma empresa. A partir da exposição das massas que utilizam as redes sociais e da falta de transparência das empresas que atuam na exploração de dados desenha-se um grande paradoxo: a liberdade de exposição de vidas particulares e a manutenção da privacidade em ambientes digitais. O resultado da espetacularização da vida tem sido a monetização de dados e sua utilização em um mercado cada vez mais ávido por mais e mais dados. A partir do acompanhamento de publicações e da verificação do tempo que o usuário permanece conectado pode-se extrair hábitos, preferências, gostos, comportamentos, tendências, enfim, uma série de informações que, depois de analisadas, abastecerão um novo e diferenciado mercado que explora, principalmente, o superávit comportamental e o transforma em capital. Pode-se inferir que nessa racionalidade, designada governamentalidade algorítmica, os dados brutos (big data) que são extraídos a partir da captura dos rastros dos usuários, passam, por um processo de “tratamento”, que envolve análise de subjetividades e contextos, e são modificados para tornarem-se dados a-significantes, que, como variáveis ou sinais matemáticos calculáveis, servem para apurar, quantificar e perfilar comportamento daqueles usuários. Esse cenário permite a criação de mecanismos preditivos de consumo e escolhas, de forma que, em determinado tempo, o usuário passa a ser o produto e sua decisão é previsível, controlada e vigiada. Todo esse fluxo fornece a matéria prima necessária para a monetização de dados e a ampliação das explorações neoliberais, que, de um lado ensejam maior desenvolvimento capitalista e, de outro, abre caminho para um novo sistema, ainda não conhecido, no qual a concentração de renda é mais evidente e sagaz. Pode-se estar, conforme expôs Nancy Fraser com espeque em Antonio Gramsci, em um tempo em que “o velho está morrendo e o novo não pode nascer”, mas a gestação parece findar.

Por meio de revisão de literatura especializada, a exemplo das obras de Soshana Zuboff, Jeremy Bentham, Michel Foucault, no olhar filosófico de Byung-Chul Han, Zigmunt Bauman e Antoniette Rouvroy, aplicando-se o método descritivo, pretende-se, neste artigo, evidenciar os riscos que permeiam a liberdade e a privacidade, direitos fundamentais explícitos, quando o uso inconsequente das plataformas digitais é suficiente para influenciar comportamentos, manipular  sentimentos, induzir a desejos incontroláveis, aguçados por uma série de propagandas ou matérias direcionadas especificamente para cada usuário, dentro de sua bolha ou câmara de eco.

 

Considerações finais: Nessa pesquisa, percebeu-se que as pessoas estão cada vez mais presas ao uso das redes digitais, nas quais, de forma inconsciente, expõem suas vidas e fornecem dados para as grandes empresas do setor que, em troca, passam a explorá-las de forma sutil e procedem à mercancia de seus dados inconsequentemente, seja para o setor consumerista, seja para fins eleitoreiros ou outros que ainda não se pode sequer averiguar. Vislumbra-se um novo tipo de panoptismo em que há uma vigilância constante que viola ou inibe a privacidade alheia, ou, de acordo com a teoria de Michel Foucault, constrói-se um aparato preditivo que controla o comportamento dos usuários sem que eles saibam e a espontaneidade incautamente sede lugar para o controle externo. Tudo isso requer ações para que os humanos não sejam objetificados e suas ações no plano virtual não sejam revertidas contra eles próprios. Necessário conscientização para o uso das novas ferramentas e o fortalecimento contínuo do sistema de direitos fundamentais em prol da defesa dos cidadãos.

 

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
BENTHAM, Jeremy. El panoptico. Las Ediciones de La Piqueta. Madrid,1979.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 42. ed. 8. Reimp. Petropólis, RJ: Editora Vozes, 2020.
FRASER, Nancy. O velho está morrendo e o novo não pode nascer. Tradução Gabriel Landi Fazzio. São Paulo: Autonomia Literária, 2021.
HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Tradução Maurício Liesen. Belo Horizonte: Editora Ayiné, 2020.
MOROZOV, Evgeny. Big tech: a ascensão dos dados e a morte da política. Tradução Cláudio Marcondes. 2ª reimpressão, 2020. São Paulo: Ubu Editora, 2018.
MOROZOV, Evgeny. Titãs tecnológicos estão ocupados privatizando nossos dados. Disponível em https://www.theguardian.com/commentisfree/2016/apr/24/the-new-feudalism-silicon-valley-overlords-advertising-necessary-evil. Acesso 20 jul 2021.
ROUVROY, Antoinette. Entrevista com Antoinette Rouvroy: Governamentalidade Algorítmica e a Morte da Política. Trad. Maria Cecília Pedreira de Almeida; Marco Antonio Sousa Alves. https://periodicos.unb.br/index.php/fmc/article/view/36223/28855. Acesso 02 set. 2021.
ROUVROY, Antoinette. Mise en (n)ombres de la vie même: face à la gouvernementalité algorithmique, repenser le sujet comme puissance. Disponível em Mise en (n)ombres de la vie même : face à la gouvernementalité algorithmique, repenser le sujet comme puissance. | Le Club de Mediapart. Acesso em 02 set. 2021. 27 AOÛT 2012 PAR ANTOINETTE ROUVROY BLOG: GOUVERNEMENTALITÉS ET TECHNOLOGIES CONTEMPORAINES
STREECK, Wolfgang. Tempo comprado: a crise adiada do capitalismo democrático. Tradução Marian Toldy e Teresa Toldy. Tradução do prefácio à segunda edição Luiz Felipe Osório. São Paulo: Boitempo, 2018.
ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Tradução George Schlesinger. Rio de Janeiro: Intrinseca, 2020.

Downloads

Publicado

2022-08-30

Como Citar

Furbino Marques, M. A., & Ramos Celestino Silva, C. (2022). Violação do Direito à Privacidade e o Panoptismo Digital: : alteração de padrões comportamentais e monetização de dados no ambiente virtual. Revista Brasileira De Inteligência Artificial E Direito - RBIAD, 1(1). Recuperado de https://rbiad.com.br/index.php/rbiad/article/view/41