Inteligência artificial e defesa do consumidor: potencialidades do uso de ferramentas digitais nos processos de fiscalização dos Procons
Keywords:
Inteligência artificial, Direito do Consumidor, Procon, Fiscalização, Análise preditivaAbstract
A inteligência artificial tem se tornando uma ferramenta de grande importância para os mais diversos segmentos da sociedade, seja no âmbito da iniciativa privada ou na prestação de serviços públicos, em face capacidade de analisar a exponencialidade de dados produzidos numa sociedade cada vez mais digital em que os dados são considerados o novo petróleo (RIBEIRO NETO, 2018).
É crescente o desenvolvimento de algoritmos e ferramentas voltadas para a automação de procedimentos, coleta e análise preditiva de informações que permitam a tomada de decisões supervisionadas (ou não) fundamentadas em dados, por meio de técnicas como big data, data mining, machine learning e deep learning. Essa tecnologia já é amplamente utilizada pela iniciativa privada nas mais diversas áreas, dentre eles o bancário, de saúde, varejo e marketing (FREITAS, 2020; TAULLI, 2020).
No setor público, começamos a observar a crescente adoção destas ferramentas, no entanto, inexiste qualquer discussão quanto aos órgãos que integram o sistema nacional de defesa do consumidor.
Muitas iniciativas de aplicação da inteligência artificial no Direito vêm sendo desenvolvidas no país, todas focadas em buscar otimizar a prestação jurisdicional, a exemplo do Poti, Clara e Jerimum (RN), Radar e Ágil (MG), Elis (PE), Sinapse (RO) e Victor, no STF (AZEVEDO, 2020; TEIXEIRA, 2018).
No setor financeiro, o Banco Central possui o Hal, que trabalha em busca de indícios de fraude, lavagem de dinheiro e qualquer outro tipo de contravenção fiscal, cruzando informações com cartórios, Detrans e qualquer empresa registrada no território nacional nos últimos 5 anos (ISTOÉ, 2016).
No âmbito fiscal, o uso da inteligência artificial tem se mostrado essencial para fazer frente ao processo fiscalizatório. A Receita Federal, por meio do supercomputador T-Rex e do software Harpia, é capaz de aprender com o comportamento do contribuinte e, assim, rastrear ações suspeitas, integrando informações produzidas pela própria Receita, assim como das Secretarias Estaduais, instituições financeiras, administradoras de cartão de crédito e cartórios. O uso da inteligência artificial tem permitido ainda o julgamento de processos administrativos, reduzindo o passivo existente de processos de baixa complexidade e pequeno valor, com economia de recursos públicos no longo prazo (NUVES, 2019).
No contexto das Cortes de Contas, o uso de robôs tem seguido uma tendência crescente, a exemplo do TCU, que possui os robôs Alice, Sofia e Mônica (CONSULTOR JURÍDICO, 2019), que o ajudam a caçar irregularidades em licitações, apontando aos auditores se há indícios de inconformidades. Podemos destacar ainda outras iniciativas estaduais, a exemplo do TCMPA, criador do Argus e Silma, e o TCMGO, criador do Esmeralda, bem como o TCE-RJ, desenvolvedor do Iris (INSTITUTO RUI BARBOSA, 2020).
Ainda na seara Federal, a CGU, através do cruzamento de 24 base de dados, foi capaz de detectar pagamentos indevidos de auxílio emergencial, bloqueando o pagamento e evitando fraudes, cuja cifra é superior a R$ 7,1 bilhões (AGÊNCIA BRASIL, 2021).
Em que pese a intensa utilização da IA pelos setores privado e público nas atividades fiscalizatórias, não há discussão sobre a incorporação destas ferramentas na esfera da defesa do consumidor.
Muito dos dados necessários para a atividade fiscalizatória e preditiva já estão disponíveis, restando o desenvolvimento de ferramentas que extraiam, cruzem e analisem as informações, a exemplo da iniciativa do TCEPB, que por meio do app Preço da Hora, extrai das notas fiscais eletrônicas de venda os preços dos produtos comercializados no Estado e possibilita ao cidadão a consulta aos locais com melhores preços (TCEPB, 2020).
Partindo do fato de que toda compra e venda legítima realizada no território nacional necessita que seja emitida nota fiscal eletrônica, seria possível o cruzamento de notas fiscais de entrada e saída em tempo real, estimando estoques, detectando padrões e ainda tornando possível o diagnóstico de aumento abusivos de preços e até a adulteração de produtos (no caso de combustíveis). Uma ferramenta nestes moldes otimizaria as atividades dos agentes de fiscalização e representaria uma mudança de paradigma, pois deixa-se de olhar para o fato já consumado para observar o presente e buscar predizer o futuro, evitando ou minorando os danos decorrentes de infrações contra as relações de consumo.
Ainda tratando da defesa do consumidor, seria possível cruzar as reclamações abertas em todos os Procons do país e verificar eventuais alterações de tendências quanto ao tipo de reclamação ou reclamado, permitindo uma atuação coordenada entre os órgãos consumeristas.
Para aprimorar a capacidade fiscalizatória, melhorar a qualidade do atendimento, e ter mais eficiência — e resultados — em seus processos, os órgãos que compõem o SNDC precisam realizar investimentos em Inteligência Artificial, adotando em suas práticas o mesmo tipo de ferramenta que já está à disposição das empresas, possibilitando o uso estratégico dos avanços tecnológicos em prol do aprimoramento das políticas públicas.
References
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NUVES, Eduardo. Os supercomputadores do Fisco como ferramentas no combate à sonegação. Disponível em: https://olhardigital.com.br/2019/02/17/noticias/os-supercomputadores-do-fisco-como-ferramentas-no-combate-a-sonegacao, acessado em: 01/09/2021.
RIBEIRO NETO, José Antônio. #bigdata 4 — Dados são o novo Petróleo. Disponível em: https://joseantonio11.medium.com/big-data-dados-s%C3%A3o-o-novo-petr%C3%B3leo-287dca85770e, acessado em 02/09/2021.
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TCEPB. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DA PARAÍBA. Aplicativo 'Preço da Hora' ajuda na economia durante a pandemia de coronavirus. Disponível em: https://tce.pb.gov.br/noticias/aplicativo-do-tce-pb-2018preco-da-hora2019-ajuda-na-economia-durante-a-pandemia-de-coronavirus, acessado em: 01/09/2021.